Mais de 4 mil pessoas foram mortas pela polícia em 2023, aponta pesquisa

Mais de 4 mil pessoas foram mortas pela polícia em 2023, aponta pesquisa
Publicado em 07/11/2024 às 5:18

Ao menos 4.025 pessoas foram alvo da letalidade policial no ano de 2023, de acordo com dados levantados pela Rede de Observatórios da Segurança, divulgados nesta quinta-feira (7). Destas, 87,8% das vítimas que foram disponibilizados dados de raça e cor, que correspondem a 2.782 pessoas, eram negras.

Os números apontados no boletim “Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão” foram coletados em nove estados brasileiros, sendo eles Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

Segundo o documento, a faixa etária mais afetada pela letalidade gerada por ação policial é a dos jovens de 18 a 29 anos. Com relação ao tom de pele, a população negra é a mais vitimada.

Além disso, nos nove estados analisados, cerca de 243 pessoas mortas por policiais eram crianças e adolescentes de 12 a 17 anos.

Para Jonas Pacheco, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios, as vítimas da intervenção policial se configuram, na maioria das vezes, em pessoas negras, moradoras de periferia e jovens.

“Esse quadro não é novo no Brasil, ele já vem se perpetuando há anos. Nosso relatório é anual, e em mais um ano a gente acaba evidenciando esse tipo de realidade”, comenta à CNN .

O levantamento dos números foi obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às Secretarias de Segurança Pública e órgãos correspondentes dos nove estados participantes. Todos os estados responderam às solicitações via LAI no prazo determinado pela legislação.

Confira abaixo os dados por estados abordados pelo relatório:

Amazonas

As pessoas mais atingidas pela violência policial, no estado do Amazonas, foram homens jovens de 18 a 29 anos, sendo 92,6% negros, segundo dados do boletim. Entre 2022 e 2023, houve uma redução de 40,4% da letalidade policial na região.

Além disso, a pesquisa apontou que as mortes decorrentes da intervenção do Estado mudaram sua distribuição territorial. Em 2022, 61,6% ocorreram na capital, em 2023, 54,2% aconteceram nos municípios do interior.

A CNN entrou em contato com as autoridades policiais do estado amazonense, porém não obteve resposta.

Bahia

O estado da Bahia abrigou cinco das dez cidades em que a polícia mais matou no Brasil em 2023, de acordo com dados levantados pela Rede de Observatórios da Segurança. Além disso, este foi o único estado analisado que registrou mais de mil mortes, com 1.702 vítimas.

O resultado da pesquisa apontou que 94,6% das vítimas eram negras e 99,5% masculinas. A pesquisa registrou também que cerca de 62% das vítimas estavam na faixa etária de 18 a 29 anos.

Em nota, a Polícia Civil da Bahia informou que não comenta dados não apurados pela própria instituição.

Ceará

Apenas em 2023, o estado registrou 147 mortes pelas forças de segurança. Destas, 30 óbitos foram na capital, Fortaleza.

Conforme o relatório, 63,9% das vítimas não tiveram dados referentes a raça e cor fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS-CE). Dos casos que continham essas informações, o percentual foi de 88,7% pessoas negras mortas pela polícia. Além disso, 80% das vítimas eram jovens de 18 a 29 anos.

Questionada sobre esses dados, a SSPDS-CE comentou em nota que “trata todas as mortes decorrentes de intervenção policial com seriedade e transparência. As ocorrências são apuradas com instauração de inquérito policial pela Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e submetidas à apreciação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).

Maranhão

Os dados levantados pela Rede de Observatórios da Segurança apontam que uma pessoa foi morta a cada seis dias, no estado do Maranhão, em 2023. Dessas mortes, 88,7% estão distribuídas entre 36 municípios.

Em nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP) do Maranhão informou que o estado reduziu em 36% as mortes por intervenção policial entre 2022 e 2023, saindo de 97 ocorrências para 62 casos.

“Também houve diminuição dos municípios onde os casos foram registrados. Em 2022, os casos foram registrados em 41 municípios. Em 2023, as mortes por intervenção policial no estado ocorreram em 37 cidades”.

Além disso, o governo afirmou que conforme dados informados nos boletins de ocorrência, 3% dos mortos eram brancos, 3% negros, 3% outros, 23% pardos e em 68% dos casos não foi informada raça ao registrar o boletim na delegacia.

Pará

No Pará, o número de vítimas por intervenção do estado foi de 530 pessoas no último ano, registrando uma queda de 101 casos em comparação a 2022. Das vítimas mortas pela polícia em 2023, 232 eram negras, enquanto 336 tinham entre 12 e 29 anos.

À CNN, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social informou em nota que “o estado tem investido continuamente na qualificação dos agentes de segurança, assim como em equipamentos tecnológicos que legitimam as ações de segurança, como a utilização de 1.600 câmeras corporais (bodycams) por agentes de segurança do estado.”

Pernambuco

Em Pernambuco, 95,7% das 117 pessoas mortas pela polícia eram negras, sendo 98,3% homens. Na capital do estado, Recife, o número de mortes quase dobrou de 2022 para 2023, indo de 11 para 20, respectivamente. Do total de mortes, 70,9% tinham de 12 a 29 anos.

A Secretaria de Defesa Social informou que a pasta contabilizou 121 mortes decorrentes de intervenção de agentes do estado no último ano, dos quais 85,95% eram pessoas pardas e 8,26% negras.

Piauí

A população negra e jovem é a que mais morre em decorrência da intervenção do estado no Piauí. Das 27 mortes registradas, 20 pessoas eram negras, e do total, 48,1% tinham entre 12 e 29 anos.

A capital do estado, Teresina, contabilizou 51,8% dos óbitos.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Piauí confirmou as informações envolvendo ações policiais apontadas pelo relatório.

Rio de Janeiro

O estado do Rio de Janeiro contabilizou menos de mil mortos em 2023, com 871 casos. De acordo com o boletim “Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão”, a capital carioca registrou 376 pessoas mortas, sendo 293 negras.

Em nota, a Polícia Civil informou que desconhece a metodologia utilizada na pesquisa e a possibilidade de rastreabilidade dos dados.

“A atuação operacional da Polícia Civil é com base em informações de inteligência e investigação, além dos dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP), que norteiam ações estratégicas das forças de segurança”, afirmou a autoridade policial.

Além disso, a polícia afirmou que as “mortes de criminosos em confronto ocorridas no período citado em nada tem relação com raça, credo ou gênero, e aconteceram em decorrência de agressões praticadas contra agentes do estado”.

São Paulo

Em São Paulo, 510 pessoas foram mortas em 2023, sendo 66,3% destas negras, segundo dados levantados pela Rede de Observatórios da Segurança. A pesquisa apontou ainda que a população negra no estado é de 40,9%.

“Disparidade racial mostra a persistência do racismo estrutural no aparato de segurança pública, 321 das 510 vítimas mortas eram negras”, disse o instituto. A capital paulista registrou 176 mortes, sendo 123 de pessoas negras.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que não comenta pesquisas das quais desconhece a metodologia e que as forças de segurança estaduais realizam abordagens obedecendo parâmetros e procedimentos técnicos com absoluto respeito à lei.

“Desde a formação e ao longo de toda carreira, os policiais paulistas passam por cursos de formação e atualização que contemplam disciplinas de direitos humanos, igualdade social, diversidade de gênero, ações antirracistas, entre outras”, disse a SSP.

Além disso, a pasta afirmou que as mortes em decorrência de Intervenção Policial são “resultado da reação de suspeitos à ação da polícia”.

A SSP disse ainda que todos os casos de mortes por intervenção policial que ocorrem em São Paulo são investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário.

“Para reduzir a letalidade, a SSP-SP investe continuamente na capacitação do efetivo, aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e em políticas públicas”, disse a Secretaria.